domingo, 20 de fevereiro de 2000

Vento

  "Dona Cícera, o André pode brincar?" Perguntei animado, enquanto olhava com expectativa para a minha mãe, esperando sua autorização para ir brincar na horta ao lado de casa.

Sentado sob o imponente tronco de árvore que havia naquela horta, eu observava extasiado os insetos que por ali habitavam. Havia formigas operárias carregando migalhas de alimentos, besouros coloridos voando ao redor das flores e borboletas dançando graciosamente entre as plantas. Cada pequeno detalhe era uma descoberta fascinante para mim, um jovem curioso e cheio de imaginação.

A horta era um verdadeiro oásis em meio à urbanização crescente do bairro. Minha mãe dedicava-se com carinho a cultivar uma grande variedade de vegetais, cuidando deles como se fossem seus filhos. Eu adorava ajudá-la, aprender sobre cada planta e suas particularidades, e era nesse espaço verdejante que eu me sentia em meu mundo de aventuras.

Em uma daquelas tardes ensolaradas, enquanto explorava a horta, encontrei um galho caído de uma árvore. Minha mente fértil logo imaginou inúmeras possibilidades para aquele achado. Comecei a desenhar figuras na terra com o galho, criando histórias em minha mente e fazendo-o se transformar em uma espada mágica ou em um instrumento para combater monstros imaginários.

Com a ajuda de minha mãe, transformei o galho em uma verdadeira arma de brincadeira, amarrando um saco plástico na ponta para criar uma empunhadura. A partir daquele momento, eu me tornei um cavaleiro destemido, enfrentando dragões imaginários e salvando o reino das plantas da horta dos perigos fictícios que eu mesmo criava.

Os dias se passavam, e eu continuava a explorar a horta com minha nova "espada mágica", embarcando em aventuras sem fim. Minha imaginação voava alto, e a horta era o meu cenário perfeito para criar histórias e viver incríveis jornadas.

Além das histórias que eu criava, a horta também se tornou um lugar de aprendizado. Minha mãe me ensinava sobre o cultivo das plantas, sobre os cuidados necessários e a importância de respeitar a natureza. Eu aprendia sobre as diferentes espécies de vegetais, suas características e propriedades, e como a natureza era perfeita em sua harmonia.

Com o tempo, a horta se tornou um refúgio para mim, um lugar onde eu podia me conectar com a natureza, alimentar minha imaginação e aprender sobre o ciclo da vida. Ali, eu encontrava paz e inspiração, e aquela vara de galho se transformou em uma lembrança especial de uma infância repleta de aventuras e descobertas naquela horta mágica ao lado de casa.

Hoje em dia, mesmo adultos, eu ainda sinto a nostalgia daqueles dias na horta, era especial para brincar, aprender e sonhar.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2000

Nos meus dias

Após decidir revisitar o passado em busca de justificativas para o presente, deparei-me com milhares de questionamentos. Seria diferente se eu... sei lá. Na verdade, nunca fui feliz. Sempre agi da forma que achava ser correta, mas ninguém via assim. Vi-me como o moleque desobediente, o amigo retardado, o namorado incompreendido, o esposo ausente. Na minha cabeça, pensei várias vezes em desistir de existir, por ser excluído e mal entendido, mas deixar tudo e todos que gosto seria um sacrifício maior do que posso oferecer. Lacunas. Vejo minha vida como uma numeração de 1 a 10, faltando 6 números. É impossível ser quem eles querem. Do jeito que eles definem como perfeito. Mas e se eu não posso ser quem sou, serei apenas o projeto que idealizam? Não, prefiro ser assim. Esquecido e distraído. Mal amado e mal compreendido. Apenas eu, no mundo, caminhando do nada para o nada. Não entendo o que falam. Não entendo uma única coisa que dizem. Quero ficar só. Quero ficar comigo mesmo, e assim está bom. Por que me querem nos bares e em conversas altas que não me interessam? Por quê? Deixem-me em paz. Ninguém sabe quando choro, nos meus sonhos e encontros com a morte, com o silêncio, com a solidão. É difícil acreditar, mas não acredito na vida. Nem mesmo na morte quando ela se apresenta a mim. Ela mente a cada instante. Todos mentem, e não confio em ninguém. Meus pais e meus filhos me abandonarão, e ninguém me verá depois de tudo. Ninguém conseguirá fazer meu coração bater mais rápido do que precisa. Minha inconstância e minha falta de memórias. Hoje mesmo vejo minha mente se perder naquilo que não deveria. Vejo-a emudecer quando deveria falar, vejo-a falando quando deveria se calar. Não aguento mais. Quero gritar, uivar, cantar, tamborilar meus dedos em alguma superfície. Quero roer minhas unhas, morder plásticos e liberar toda a raiva assim. Posso? Esses são os meus dias. Olhem para mim. Como uma formiga correndo para escapar de pés grandes e abismos profundos sem fim. Trevas que me cercam e dominam minha mente durante o sono. Nu. Pobre. Miserável. Insuportável. Com frio. Sozinho. No escuro. O nada. Permitam-me cansar. Deixem-me sentar. Parar um pouco. Permitam-me amarrar minhas mãos com uma faixa. Deixem-me ficar sem camisa e andar sobre pedras geladas. Sem compromissos. Sem hora para voltar. Eu não sou quem sou. Sou um produto criado pela sociedade. Tenho que ser assim? Todos brigam. Todos lutam até a morte por seus direitos e eu não posso lutar para ser quem realmente sou? Quero acordar desse sono. Quero sair desse sonho. Quero viver aqui. Onde me vejo agora. E esse lugar não é o mesmo que eu vejo.

Já viu um D?

Já viu um D? Isso mesmo. Um D de verdade. Um D sem defeito. É lindo ver um D bem desenhado, decorado. Minha mãe prefere o dourado. De qualqu...