sábado, 27 de janeiro de 1996

Conversas de Mãe

Ô menino, pede para a Dona Josefa vir aqui. Falei com ela ontem à noite. Então, apressa-te e vê se ela está em casa. Corre, menino!

Quando eu morava em Minas, Nas terras de pedra e leite, Conhecia nome por nome de quem era gente, De quem quer que fosse, eu sabia.

Tomando café no banco em frente de casa, Olhava para o fim da plantação de mandioca, Olhava os pássaros, as nuvens, olhava o tempo. Que tempo! Ninguém ligava para tempo nenhum.

Ainda quando criança, a mãe contava uma história, História sem pé nem cabeça, Mas eu gostava e acreditava que era verdade.

Uma vez, no pé da montanha mais alta da cidade, Um homem apareceu por lá do nada. Ninguém sabia quem ele era e de onde vinha. Quando desceu na Vila, quis ser amigo de todo mundo.

Ninguém conhecia sua história, Foi quando no bar do Baltazar se sentou, E uns dez ali pararam para ouvir a história daquele viajante com cara de sertanejo.

Vinha das bandas do Norte, Pagando uma promessa para um santo. "Se minha mãezinha ficar curada, Descerei para o Sul numa longa caminhada", dizia ele.

Uns choravam, outros suspiravam, Ao saber que sua querida mãe veio a falecer. Ninguém lembra ao certo qual era o motivo Que aquele homem resolveu cumprir a promessa.

Era domingo cedo, quando o sino tocou, Avisando à cidade que a missa começava. E lá nos primeiros bancos aquele homem sentava, Para ouvir o que se falava, daquelas palavras sagradas.

Muito tempo se passou e em 1969, Aquele homem nos deixou. Partiu e levou a esperança daquela pequena cidade. Todos falam até hoje da pessoa que era seu Augenor, Um homem simples, bom de prosa e de fé.

Conheço todo mundo que passou por ali, De "A" até a última letra que não sei qual é. Se era informação que eles buscavam, "É naquela casa rosada com jardim na beira da rua onde mora a Dona Almira!"

O trem para o interior chegou, Imaginava que a vida seria melhor na capital, mas não foi. Todo mundo está embarcando e eu também vou embarcar, Para garantir o meu lugar.

Do céu sem estrela, para o azul profundo e seu luar, De São Paulo a Panorama, É para lá que vou morar.




domingo, 14 de janeiro de 1996

Era mil novecentos oitenta e alguma coisa

Os gritos ecoavam em meus ouvidos, mas eu não conseguia emitir uma palavra sequer. Os tapas na cabeça eram constantes, como uma chuva incessante de violência física. Xingamentos e palavras ofensivas eram jogadas em minha direção por alunos e até mesmo por alguns professores. Os olhares cruéis pareciam queimar minha pele, como se fossem facas afiadas perfurando minha alma. Eu não suportava mais aquilo. Num impulso, eu corri. Cruzei os dois pátios da escola em desespero, sentindo o coração bater descompassado no peito. Cheguei ao banheiro, onde me escondi, lavando o rosto em uma tentativa vã de apagar a dor que sentia. Naquele momento, decidi que não voltaria à sala de aula, nem mesmo para buscar o que havia deixado para trás. Era apenas eu e minhas roupas, e a única opção que enxergava era fugir. Dirigi-me aos fundos de um dos edifícios da escola, onde um muro alto se erguia diante de mim. Sem hesitar, pulei o muro e me vi na rua, com o coração ainda acelerado e uma sensação de alívio misturada com tristeza. "Nunca mais ponho meus pés aqui", pensava eu, sentindo uma mistura de raiva e tristeza em meu peito. Hoje, quando me olho no espelho, vejo meu rosto molhado pelas lágrimas que insistem em cair. A vontade de pular o muro e correr novamente ainda persiste em mim, pois os mesmos tapas, xingamentos, gritos e olhares continuam a me atingir, só que de maneiras diferentes. A dor é a mesma, a sensação de ser invisível, de não pertencer, de ser alvo de crueldade, me consome. A vontade de desaparecer e fugir para o nada é avassaladora, mas eu sigo lutando, mesmo que seja uma batalha interna diária para encontrar minha própria voz e minha própria identidade em meio a tanta dor e sofrimento.

Já viu um D?

Já viu um D? Isso mesmo. Um D de verdade. Um D sem defeito. É lindo ver um D bem desenhado, decorado. Minha mãe prefere o dourado. De qualqu...