sábado, 21 de janeiro de 2006

"Lixandre, Lixandre, o que você fez?"


"Lixandre, Lixandre, o que você fez?"
Histórias que minha mãe me contou

Foi na cidade de São Paulo que o casal mineiro resolveu se casar. Os dois, de famílias humildes e simples, resolveram batalhar na cidade de São Paulo. Meu pai trabalhava em uma companhia de gás e minha mãe em uma empresa de reciclagem na zona sul. Com apenas um ano de casados, minha mãe deu à luz seu primeiro filho, um menino ao qual chamaram Alessandro a pedido do meu pai. Ainda não tinham um lugar fixo para morar, e morávamos em uma pequena casa no bairro do Guarapiranga. Após mais um ano, nasceu outro menino que veio a se chamar Maurício. No intervalo de um ano, meu pai conseguiu comprar um terreno com uma casa velha ao fundo e iniciaram a construção de uma casa maior.

Quando completei dois anos de idade, nos mudamos para a nossa própria casa. O piso ainda era grosso, de cimento, as paredes eram feitas de blocos ainda sem rebocar, as portas ainda estavam sem pintura, mas quem ligava para isso? Era um bairro novo e nossa casa era quase igual às outras na vizinhança, não tinha muros e a rua era sem asfalto. Lembro-me que à direita de nossa casa havia dois terrenos enormes, nos quais meus pais cuidaram por muitos anos. Deles, meus pais fizeram uma grande horta com couves, tomates, taiobas, milho e pimentas; havia também um pé de goiaba bem no meio dessa horta e ao fundo havia pés de bananeiras que se tornaram um mito para todos os garotos da rua, por achar o fundo daquele terreno um lugar mal-assombrado. Eu era criança quando chegava a me perder naqueles terrenos, correndo através daqueles pequenos caminhos feitos com a enxada.


Minha infância foi muito divertida. Observava os vizinhos da frente, dos lados e atrás. O vizinho da direita se chamava Elias e era uma pessoa considerada de um padrão de vida melhor, pois ele tinha um Fusca branco naquela época e sempre fazia compras no Carrefour. Eu, sem saber como tudo funcionava, perguntava para meus pais se o "Carrefour" era só para quem tinha carro comprar. Os filhos do Sr. Elias tinham cabelos longos e lisos e se chamavam Ricardo e Renata. Eles tinham cara de serem muito dedicados na escola, aposto que são pessoas bem-sucedidas hoje. O vizinho da esquerda era um taxista e tinha um Volkswagen Passat cinza; lembro-me muito bem da esposa do Sr. Geraldo porque ela me chamava de "pão" o tempo inteiro e dizia que eu iria casar com uma das suas filhas, a Cristiane ou a Alexandra. Havia ainda no início, cercas de madeira que cercavam a casa pelo lado direito, onde a horta estava, os portões ainda de madeira e um barranco à frente da casa onde meu pai sonhava em fazer daquele lugar o seu próprio negócio.

Havia uma trilha ao lado da casa, junto à cerca, que podia-se chegar à rua de cima, porém antes de chegar à rua de cima, havia uma área cheia de plantas e uma velha casa onde morava uma mulher muito misteriosa, a "bruxa". Não tínhamos televisão e a nossa única atração era um rádio "Rayovac" com apenas um alto-falante e somente os programas do Eli Corrêa e do Zé Betio. Não entendia muita coisa, pois eu ainda era muito criança.

Adiantando um pouco, quando estava completando seis anos, nasceu minha irmã Michele e para marcar essa data, meu pai comprou a primeira televisão. Era de vinte polegadas, a cores e com controle remoto com fio. Era como mágica para mim, pois até aquela idade, não me lembrava de ter visto uma televisão, era 1981 e a televisão era uma Mitsubishi com treze canais que funcionava apenas 6. A TV Cultura, TVS, Globo, Record, Manchete, a Gazeta que dificilmente funcionava e a Bandeirantes. Vivíamos a época da enfraquecida censura militar bem no início dos anos 80, porém. Dez horas da noite era a hora de todas as crianças irem para a cama, pois na televisão aparecia aquele aviso todas as noites. Meus amigos na escola sempre comentavam sobre o seriado da Super Máquina que passava na Rede Record após as 10, mas por ser classificado como impróprio para menores de dezoito anos, meus pais me mandavam para a cama.

Voltando aos meus quatro e cinco anos, lembro que meus pais conseguiram fundos para montarem seu próprio negócio: uma sorveteria. Deu certo, apesar do trabalho que dava e das abelhas que, de vez em quando, ferroavam alguém. Aquela sorveteria tornou meus pais conhecidos no bairro, pois eles trabalhavam muito e tinham uma equipe de garotos que saíam para vender sorvetes nas ruas. Para as festas juninas, meu pai havia comprado um carrinho de fazer pipocas, e meus pais nunca deixaram a peteca cair, trabalhando em todos os lugares onde viam oportunidades de ganhar dinheiro. Foi lá naquela sorveteria que um homem com uma família grande pediu para que colocassem dois de seus filhos para venderem sorvetes: o Cesar e o Beto. Naquela época, eram garotos magros, morenos, com cabelos longos, gostavam de andar sem camisetas e tinham um talento especial para jogar futebol. O pai deles sempre passava por lá, e um dia ele contou para meus pais que todos os domingos ele treinava garotos para jogar futebol em um campo próximo dali, e nos convidou para ir com eles.

Começamos a ir aos treinos de futebol e o engraçado era que todos os garotos moravam na mesma rua, mas ainda não havíamos nos conhecido. Marquinhos, Marcos, Ronaldo, Cezinha e Robertinho foram nossos novos amigos, porém, André e Rodrigo foram nossos melhores amigos até hoje. Corríamos aquele trecho da rua jogando uma bola branca de plástico, que para nós crianças era algo caríssimo. Jogávamos pedras nos cachorros e brincávamos muito de Esconde-Esconde, correndo entre aquela horta para nos escondermos. Colecionávamos joaninhas (aqueles pequenos e coloridos besouros) e borboletas, que eram muito comuns naquele lugar. Porém, nas bananeiras no fundo do terreno, ninguém ousava chegar perto, exceto o Marquinhos, pois era um lugar assustador e cheio de mitos. O medo de ir ao fundo daquele terreno se deu quando notamos que todos os dias ao cair da tarde, passava entre as cercas de madeira uma mulher que carregava duas ou três sacolas cheias de coisas estranhas. Aquela mulher nos fazia lembrar uma bruxa, e então todas as crianças a apelidaram de Bruxa. Porém, todos nós tínhamos pavor daquela mulher, pois ela literalmente parecia com a bruxa dos desenhos animados. Marquinhos era o garoto mais ousado que havia em nosso grupo. Arteiro, brigão e extremamente corajoso, subia pelo mesmo caminho que a velha fazia, somente para observar o que havia na casa dela. Quando a mulher o via, corria atrás de Marquinhos gritando para que ele saísse dali. Marquinhos corria dando altas gargalhadas e nos chamando de medrosos. Eu cheguei a ver uma única vez o que tinha dentro da casa dela. Eu estava na rua de cima e, como não queria dar a volta no quarteirão, resolvi passar pelo terreno da velha. Tinha muitas árvores e plantas por toda parte. Quando olhei na direção da porta, ela estava aberta. Me agachei e comecei a andar bem lentamente para o meio para poder ver melhor o que tinha dentro, e acreditem, a casa era maior do que aparentava. Havia corredores cheios de entulhos em prateleiras enormes, ratos e baratas por toda parte. Após ver aquela cena, levantei-me e corri. Todos duvidaram de mim, mas eu havia visto o que ninguém no bairro viu.

Havia também outra casa que dava fundos para aquela horta, era a casa do senhor Zezinho. Um homem simples, casado com Aidê, um casal de evangélicos. Entre outros filhos, ele tinha uma filha chamada Silvia, que até os dias de hoje é a minha melhor amiga. Crescemos juntos naquele bairro.


Como meus pais estavam trabalhando muito, eles convidaram minha vó Almira, da parte da minha mãe, para morar conosco. Tudo isso porque começávamos a dar muito trabalho.

Certo dia, eu estava assistindo TV quando meu irmão Maurício me chamou para ver algo. Eu não queria saber o que era, pois a TV estava muito interessante, mas quando ele abriu a mão e me mostrou uma caixinha de fósforos, fechou a mão e correu, levantei-me na mesma hora e corremos para fora. Meu irmão me deu a caixa de fósforos e apontou o dedo para a árvore que ficava no meio do quintal de casa. Era um grande Pinheiro que meu pai usava para enfeitá-lo no Natal com luzes. Naquela época, não sabíamos que o Pinheiro era uma árvore resinosa e produtora de um óleo altamente inflamável que poderia desencadear um incêndio incontrolável.

Chegamos bem perto da árvore e ficamos um ao lado do outro para que minha vó não observasse nossa arte. Acendi o primeiro palito e nós dois, com as mãos pequenas, tentamos bloquear a entrada do vento, mas o vento nos alertando do perigo apagou nossa primeira tentativa. Mas meu irmão parecia estar possuído e dizia para tentarmos novamente; e lá fui eu. Acendi e levei a chama para um pequeno galho daquela gigantesca árvore. No começo foi tudo muito lindo. Uma pequena parte da árvore soltava faíscas e começamos a gritar e pular de alegria como homens das cavernas quando descobriram o fogo, até que nossa euforia se transformou em pavor.

As pequenas chamas cresciam e soprávamos na tentativa de apagá-las; soprávamos tanto até lançar salivas, mas não conseguíamos conter o fogo. Mauricio correu e buscou água para jogar, mas já era tarde, o fogo tinha se espalhado para o meio da árvore e as chamas eram, sem dúvida, incontroláveis. Minha avó olhou para trás e deve ter pensado que estava no inferno, e desesperada começou a gritar: "Lixandre, Lixandre, o que você fez? Morisso! Nossa Senhora!", vizinhos correram para ajudar a apagar as chamas que eram intensas e enormes, mas todas as tentativas foram em vão e em poucos minutos vimos aquela árvore sendo consumida pelas chamas, e assim, tivemos que esperar até o fim para ver aquela velha árvore que servia de enfeite nos finais de ano ser completamente destruída pelo fogo. Quando meus pais chegaram, nos observaram cheios de manchas negras de carvão e levamos uma surra; isso foi apenas o começo de várias outras.

Já viu um D?

Já viu um D? Isso mesmo. Um D de verdade. Um D sem defeito. É lindo ver um D bem desenhado, decorado. Minha mãe prefere o dourado. De qualqu...