A infância fica engraçada quando a aproveitamos. Correr na rua, soltar pipas, jogar peões, jogar bolinha de gude, brincar de esconde-esconde, estrela nova sela, jogar taco na rua, futebol, vôlei, pega-pega e andar de carrinho de rolemã eram as coisas que mais fazíamos naquele bairro. Não tínhamos computadores, videogames (bom, eu não, mas o Alexandre, o 'boquinha', tinha um Atari), não existia internet, Orkut, MySpace, Facebook, nem mesmo sabia o que era "Chat"; palavras novas para uma nova geração. Geração que interage no mundo virtual. Naquela época, telefone só aquele amarelo com um formato de orelha bem grande que ficava na rua, uma caixa pesada e vermelha onde para se conseguir ligar, tinha que depositar fichas para poder falar por 3 minutos, mas antes, tinha que gastar o dedo girando por várias e várias vezes a "roleta de números". Imagine se existisse um "0800" de hoje naquela época... imagine como seria ter que digitar um 0800 900 7000. "-Vá até o final, senão terá que discar tudo novamente".
Hoje, vejo uma nova geração; aqueles que ficam na internet interagindo com amigos através de comunicadores instantâneos, ligam suas 'webcams' e fazem suas videoconferências, compartilham fotos, músicas, palavras de afeto e carinho uns com os outros. Nesta nova geração também existem brigas virtuais, fofocas, alguns mais engraçadinhos dão em cima da namoradinha dos outros e as engraçadinhas dando bola. Um mundo totalmente diferente do que eu conheci na década de 80. Hoje, tudo é mais rápido. Antes eram cartas, hoje são "e-mails", antes comprávamos fitas k7 para gravarmos aproximadamente 10 músicas e algumas vezes, para poupar dinheiro, regravávamos outras músicas por cima daquelas.
Hoje temos o "mp3" em tocadores especiais capazes de armazenar milhares de músicas. Eu ainda era menino e não podia ver uma fita no chão que logo a pegava, na verdade, nem sei o porquê pegava aquilo, pois eu até então não tinha um tocador de fitas k7 nem de disco de vinil. A evolução das coisas começou quando meu pai trouxe para dentro de casa o primeiro rádio que pegava FM. Era um rádio de carro acoplado a um suporte que permitia ligarmos o aparelho em uma tomada de energia elétrica. "-Aquilo que era som -". Muito mais alto que o rádio velho da minha mãe que só pegava AM e, além disso, as músicas eram melhores. Tocavam músicas em inglês. Lembro-me de uma que marcou muito quando meu pai chegou com aquele rádio e o ligou pela primeira vez, a música que ficava o tempo inteiro dizendo: "dá, dá, dá...", numa batida freneticamente dançante.
Naquela batida freneticamente dançante, meus pais pararam para ver os filhos desajeitadamente dançando. Acredito que, empolgados pelo fato de gostarem tanto de música, eles compraram, na antiga Mappin Magazine, um tão desejado tocador e gravador de fitas cassetes. Era muito interessante aquela tecnologia moderna de gravação portátil. Não era como os gravadores de hoje em dia. Aquele era apenas um gravador, sem rádio ou lugares para embutir alguma coisa. Nada. Lembro-me de que eu sofria de um problema de respiração pelo nariz, o que me fazia roncar quando dormia. Um certo dia, meu pai pegou aquele gravador e me gravou dormindo por quase meia hora, roncando acompanhado pelo som de um grilo que estava dentro de casa. Eu roncava e o bendito grilo cantava. Aquilo me deu tanta raiva, a ponto de esperar a primeira oportunidade para acabar com aquela fita. E assim o fiz.
Ainda eufórico com o novo equipamento, ouvia os amigos do nosso time de futebol, que já tinham aquilo, para me informar como poderia manter aquele equipamento funcionando perfeitamente. Entre uma conversa e outra, alguém citou a palavra "óleo"; ora, eu, inocente e sem saber o mal que causaria ao equipamento, mal podia esperar para chegar em casa e testar o "milagroso óleo de cozinha" (que era o único tipo de óleo que eu conhecia naquela idade).
Ao chegar em casa, minha vó estava no quintal, conferindo os resultados do Jogo do Bicho, que era o que mais gostava de fazer. Ela jogava muito e muitas vezes eu ia até o Bar do Japonês, o Bar do senhor Jadir ou o Carlinhos para fazer o joguinho para minha vó. Ela prestava atenção em todas as nossas conversas e relatos para ver se captava algum número que trouxesse sorte a ela. Algumas vezes ganhava e outras não, mas ela gostava muito daquilo.
"- Benção, Vó!" e corri para a cozinha. Sem tirar a roupa suja de terra, coloquei em um "copo de extrato de tomate" (naquela época, usávamos muito os extratos de tomate que vinham em embalagens de vidro, para que ao final servisse como copo para tomar aquele cafezinho). Enchi o copo de óleo, peguei o gravador pela alça e corri para o quintal. Ali, comecei a despejar óleo dentro do gravador por todos os lados, pela abertura onde se colocava a fita, nos alto-falantes, onde se colocavam as pilhas, entre os botões, enfim, o óleo de cozinha estava por toda parte. "- Agora sim ficará melhor", pensei.
Quando liguei o meu velho amigo, ele não funcionava mais. Mais uma vez, o desespero tomou conta de mim. Meus pais não podiam ver aquele gravador que me deram com tanto carinho naquele estado, mortalmente afogado pelo óleo de cozinha. Foi então que tentei esconder o "defunto daquele gravador" para que meus pais não vissem, mas, quando minha mãe chegou, questionou onde estava o gravador, porque queria gravar algo. Trouxe o gravador ensopado de óleo e minha mãe perguntou o que eu havia feito. "- Nada", foi a minha resposta. Não apanhei naquele dia, mas me prometeram nunca mais me dar nada.
Muitas pessoas me perguntam como adquiri a cicatriz em minha testa. Foi assim: era um dia de muita euforia, antecedendo as férias de julho, aquela tão tradicional reunião de pais e mestres. A tia Ana havia alertado a todos que era para brincar longe da sala de aula onde aconteceria a reunião. Eu e alguns colegas gostávamos de correr nos corredores e no pátio da escola e derrapar, já que o piso era liso, e usávamos aquele "Conga" vermelho e branco.