segunda-feira, 15 de abril de 1996

O menino que dormiu no tempo e não acordou mais.

Hoje acordei com uma lista enorme de coisas para fazer, mas ao olhar para o relógio, percebi que o tempo estava correndo e decidi deixá-las para amanhã. Quero acordar cedo e enfrentar tudo de uma vez. Enquanto espero pelo amanhã, aproveito esse intervalo de tempo para observar as pessoas ao meu redor. Analiso cada rosto, cada expressão, e fico surpreso com o fato de ninguém parecer se importar em ser observado por um desconhecido.

Mas espera aí! O que mesmo eu tinha para fazer?

E foi assim que tudo começou. Eu estava andando por um longo caminho, silencioso e quase deserto, onde apenas o som do vento ecoava. As pessoas ao meu redor pareciam seres estranhos, parte humanos e parte animais, frios e indiferentes. Eles seguiam em frente sem olhar para o lado, sem se importar com o que estava ao seu redor.

Tentei me encontrar naquele mundo estranho, mas estava confuso. Eu não me reconhecia naquele lugar onde as pessoas pareciam viver como zumbis, sem emoção, sem compaixão. Eu não queria entendê-los, não queria ouvi-los. Quando tentavam falar comigo, tudo que eu ouvia era o som do vento soprando, nada mais.

Então, comecei a cantar. Minha voz ecoava pelo ar, e eu me perguntava por que sempre gostei de canções tristes. Aquelas melodias melancólicas me alegravam de alguma forma, faziam meu coração bater mais forte. Elas me faziam chorar e rir ao mesmo tempo, sem nem perceber.

Fechei os olhos e imaginei um mundo cheio de cores vibrantes, sabores deliciosos e perfumes envolventes. Queria estar em todos os lugares ao mesmo tempo, sentar no topo da montanha mais alta e ficar ali, apenas eu e minhas lembranças. Queria descansar a cabeça no meu braço e cantar, deixando minha voz ecoar pelo universo.

Amanhã será um novo dia, e estou ansioso para enfrentar o que está por vir. Mas por enquanto, aproveito esse momento de pausa para me conectar comigo mesmo e apreciar a beleza do mundo ao meu redor. Afinal, a vida é feita de momentos como esse, cheios de emoção, cor e paixão. E eu pretendo vivê-la intensamente, mergulhando de cabeça em cada experiência, cada sensação, e cantando a minha própria melodia enquanto caminho pelo mundo.

sexta-feira, 23 de fevereiro de 1996

Leitura de mim mesmo.

        Era em um banco da praça que observava as pessoas,

Homem, mulher, criança, cada ser que ali passava, Nenhum passante escapava do meu olhar, Pois sempre tive o dom de ler os corações, Seus sofrimentos, angústias, desejos, em suas expressões.

Estranho garoto, com comportamentos únicos, Modos peculiares e papo intrigante até hoje, Já acreditei em muitas coisas, mas hoje, As antigas fascinações já não me tocam, Sou entusiasta do novo, das ideias, do mundo que roda, Política e religião, não me prendem mais, nem um segundo.

Sinto-me livre como um paraquedista em queda livre, Quero experimentar a intensidade da vida, com suas dores, Sem que alguma divindade interfira ou me faça acreditar, É por conta própria, essa é a minha forma de caminhar.

Há momentos na vida em que me sinto estranho e único, Mas comigo, é sempre assim, do acordar ao dormir, Um dia, enquanto observava as pessoas na praça, Pisquei os olhos e vi um homem me encarando, Parado como uma estátua, observando cada detalhe, Não deixei que me encarasse sem retribuir o olhar.

Ele se aproximou, seu peito batendo forte, Senti o ar quente de sua respiração, Olhando-o, vi o medo em seus olhos, E perguntei: "-Você tem medo de algo ou alguém?" Ele suspirou e respondeu: "-De você!"

Foi então que percebi, diante do espelho estava, Encarando a mim mesmo, num momento de introspecção, Refletindo sobre minha própria estranheza, Em meio às multidões, uma alma em busca de direção.

sábado, 27 de janeiro de 1996

Conversas de Mãe

Ô menino, pede para a Dona Josefa vir aqui. Falei com ela ontem à noite. Então, apressa-te e vê se ela está em casa. Corre, menino!

Quando eu morava em Minas, Nas terras de pedra e leite, Conhecia nome por nome de quem era gente, De quem quer que fosse, eu sabia.

Tomando café no banco em frente de casa, Olhava para o fim da plantação de mandioca, Olhava os pássaros, as nuvens, olhava o tempo. Que tempo! Ninguém ligava para tempo nenhum.

Ainda quando criança, a mãe contava uma história, História sem pé nem cabeça, Mas eu gostava e acreditava que era verdade.

Uma vez, no pé da montanha mais alta da cidade, Um homem apareceu por lá do nada. Ninguém sabia quem ele era e de onde vinha. Quando desceu na Vila, quis ser amigo de todo mundo.

Ninguém conhecia sua história, Foi quando no bar do Baltazar se sentou, E uns dez ali pararam para ouvir a história daquele viajante com cara de sertanejo.

Vinha das bandas do Norte, Pagando uma promessa para um santo. "Se minha mãezinha ficar curada, Descerei para o Sul numa longa caminhada", dizia ele.

Uns choravam, outros suspiravam, Ao saber que sua querida mãe veio a falecer. Ninguém lembra ao certo qual era o motivo Que aquele homem resolveu cumprir a promessa.

Era domingo cedo, quando o sino tocou, Avisando à cidade que a missa começava. E lá nos primeiros bancos aquele homem sentava, Para ouvir o que se falava, daquelas palavras sagradas.

Muito tempo se passou e em 1969, Aquele homem nos deixou. Partiu e levou a esperança daquela pequena cidade. Todos falam até hoje da pessoa que era seu Augenor, Um homem simples, bom de prosa e de fé.

Conheço todo mundo que passou por ali, De "A" até a última letra que não sei qual é. Se era informação que eles buscavam, "É naquela casa rosada com jardim na beira da rua onde mora a Dona Almira!"

O trem para o interior chegou, Imaginava que a vida seria melhor na capital, mas não foi. Todo mundo está embarcando e eu também vou embarcar, Para garantir o meu lugar.

Do céu sem estrela, para o azul profundo e seu luar, De São Paulo a Panorama, É para lá que vou morar.




domingo, 14 de janeiro de 1996

Era mil novecentos oitenta e alguma coisa

Os gritos ecoavam em meus ouvidos, mas eu não conseguia emitir uma palavra sequer. Os tapas na cabeça eram constantes, como uma chuva incessante de violência física. Xingamentos e palavras ofensivas eram jogadas em minha direção por alunos e até mesmo por alguns professores. Os olhares cruéis pareciam queimar minha pele, como se fossem facas afiadas perfurando minha alma. Eu não suportava mais aquilo. Num impulso, eu corri. Cruzei os dois pátios da escola em desespero, sentindo o coração bater descompassado no peito. Cheguei ao banheiro, onde me escondi, lavando o rosto em uma tentativa vã de apagar a dor que sentia. Naquele momento, decidi que não voltaria à sala de aula, nem mesmo para buscar o que havia deixado para trás. Era apenas eu e minhas roupas, e a única opção que enxergava era fugir. Dirigi-me aos fundos de um dos edifícios da escola, onde um muro alto se erguia diante de mim. Sem hesitar, pulei o muro e me vi na rua, com o coração ainda acelerado e uma sensação de alívio misturada com tristeza. "Nunca mais ponho meus pés aqui", pensava eu, sentindo uma mistura de raiva e tristeza em meu peito. Hoje, quando me olho no espelho, vejo meu rosto molhado pelas lágrimas que insistem em cair. A vontade de pular o muro e correr novamente ainda persiste em mim, pois os mesmos tapas, xingamentos, gritos e olhares continuam a me atingir, só que de maneiras diferentes. A dor é a mesma, a sensação de ser invisível, de não pertencer, de ser alvo de crueldade, me consome. A vontade de desaparecer e fugir para o nada é avassaladora, mas eu sigo lutando, mesmo que seja uma batalha interna diária para encontrar minha própria voz e minha própria identidade em meio a tanta dor e sofrimento.

Já viu um D?

Já viu um D? Isso mesmo. Um D de verdade. Um D sem defeito. É lindo ver um D bem desenhado, decorado. Minha mãe prefere o dourado. De qualqu...